OS FILHOS DE BELIAL
- INTRODUÇÃO: Quem seriam os filhos de Belial? Qual a origem do termo? Qual o seu significado? De acordo com o contexto bíblico já conhecido é algo ruim, uma forma de condenação ou de julgamento contra pessoas que fazem o mal.
A Tipologia Bíblica pode ser caracterizada por uma expressão que denomina um indivíduo e ao mesmo tempo representa uma coletividade quando o povo absorve a vida do personagem histórico ou este revive a cultura típica de um povo. Deste modo a parte (pessoa) representa o todo (povo) e o todo se referencia pela parte. Isso acontece no decorrer dos anos num horizonte de projeção temporal onde um indivíduo ou grupo adquire nome e forma de algum personagem do passado.
Primeiramente pesquisamos Quem são os filhos de Belial, depois sobre o Significado da palavra Belial seguido de Traduções para o termo Belial e então faremos um estudo do uso do termo na Bíblia e do uso do termo fora da Bíblia para então falar diretamente Quem era os ‘filhos de Belial’.
I – Significado da palavra Belial
O termo לעילב = belîya’al vem da conjunção de belî que significa ‘não’ e ya’al que tem sentido de ‘sem’. Conforme a Enciclopédia de Teologia do Antigo Testamento, no original significa inutilidade.
A Revista Ultimato traz um artigo sobre o tema definindo:
“Filhos de Belial” é um termo abstrato, que significa literalmente “bom para nada” ou “não serve para nada”.
Também o Dicionário de Personagens Bíblicos de José Schiavo traz o verbete:
“Inútil, sem valor. Sinônimo de Satã com o sentido de malvado, nocivo e inútil. É também Belzebu designativo do chefe dos demônios”
No Dicionário Bíblico de João Batista Ribeiro dos Santos ainda acrescenta:
“Como nome próprio, Belial é império maligno e mitológico (Sl 18.5) e Maligno (II Co 6.15)”.
A Revista Superinteressante no artigo “Satã Vive” por Jomar Morais conceitua Belial como “demônio da arrogância e da loucura” e “como a besta do Apocalipse”.
II – Traduções para o nome Belial:
Conforme a Enciclopédia de Teologia do Antigo Testamento, o termo no original (Belîya’al) é traduzido na Vulgata como substantivo próprio e a Septuaginta (LXX) traduz conforme o contexto com os termos gregos paranomos, anomia e aphrõn.
Utilizando as traduções das Bíblias Almeida Revista e Atualizada (ARA) e da Bíblia de Jerusalém (BJ) vejamos quais os termos utilizados para Belial:
Texto
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Almeida Revista e Atualizada
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Bíblia de Jerusalém
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Deuteronômio 13.14
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homens malignos
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homens vagabundos
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Deuteronômio 15.9
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pensamento vil
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pensamento vil
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Juízes 19.22
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filhos de Belial
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vagabundos
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Juízes 20.13
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filhos de Belial
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bandidos
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I Samuel 1.16
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filha de Belial
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vadia
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I Samuel 2.12
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filhos de Belial
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homens desonestos
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I Samuel 10.27
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filhos de Belial
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vadios
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I Samuel 25.17
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filho de Belial
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homem vadio
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I Samuel 25.25
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homem de Belial
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homem grosseiro
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I Samuel 30.22
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filhos de Belial
|
vadios
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II Samuel 16.7
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homem de Belial
|
bandido
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II Samuel 20.1
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homem de Belial
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vagabundo
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II Samuel 22.5
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torrentes de impiedade
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torrentes de Belial
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II Samuel 23.6
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filhos de Belial
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gente de Belial
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I Reis 21.10
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homens malignos
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homens inescrupulosos
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I Reis 21.13a
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homens malignos
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homens inescrupulosos
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I Reis 21.13b
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homens malignos
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homens inescrupulosos
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II Crônicas 13.7
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gente vadia, homens malignos
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homens ociosos, sem valor
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Jó 34.18
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vil
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homem vil
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Salmos 18.4
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impiedade
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Belial
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Salmos 41.8
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praga do inferno
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peste maligna
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Salmos 101.3
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coisa injusta
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coisa vil
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Provérbios 6.12
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homem de Belial
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homem depravado
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Provérbios 16.27
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homem depravado
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homem malvado
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Provérbios 19.28
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testemunha de Belial
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testemunha indigna
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Naum 1.11
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conselheiro vil
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conselheiro de Belial
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II Coríntios 6.15
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Maligno
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Beliar
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III - O uso do termo na Bíblia
O nome “Filho de Belial” é a forma do Antigo Testamento para se referir aos judeus que se desviavam dos caminhos de Javé. Entre os judeus da antigüidade, a expressão "filhos de Belial" também era usada para se referir a crianças não-circuncidadas ou filhos de outros povos pagãos.
Para uma melhor compreensão do termo “filhos de Belial” vamos analisar o uso da palavra ‘filhos’ e depois do nome Belial.
TIPOLOGIA: filhos
Lund e Nelson afirmam no livro Hermenêutica que hebraísmo é uma maneira peculiar do idioma hebraico que são mantidas nas traduções da Bíblia e significa um grupo de pessoas. Toda vez que se traz o termo filho ou filhos na Bíblia associada à outra palavra que seja um adjetivo para a primeira é um costume hebreu chamar a pessoa de filho da coisa que o caracteriza ou como se fosse filho de algo que faz.
Alguns exemplos do uso tipológico de filhos na Bíblia são:
-Filhos de Israel aparece 605 vezes designando alguém da nação de Israel;
- filho da paz (Lucas 10.6) para denominar uma pessoa pacífica;
- filhos da luz (4 vezes: Lc 16.8; Jo 12.36; Ef.5.8; I Ts 5.5) referindo-se a pessoa considerada iluminada;
- filhos da desobediência (3 vezes: Ef 2.2 e 5.6; Cl 3.6) para falar de quem é desobediente.
Além de filhos ou filha (somente em I Samuel 1.16) outras palavras associadas ao nome Belial com o mesmo sentido de designar a origem:
- palavra de Belial (Deuteronômio 15.9) que não está de acordo com a lei;
- homem de Belial (II Samuel 16.7; 20.1) mesmo que filho de Belial, que segue a este;
- torrentes de Belial (II Samuel 22.5 e Salmos 18.5) sobre tribulações advindas do mal;
- coisa de Belial (Salmos 41.8) referindo-se a doença;
- testemunha de Belial (Provérbios 19.28) quem fala mentira contra o próximo;
- conselheiro de Belial (Naum 1.11) quem dá mau conselho.
TIPOLOGIA: Belial
A expressão ‘Belial’ aparece 27 vezes na Bíblia: 26 no AT e 1 no NT
2 vezes em Deuteronômio (13.14 e 15.9)
2 vezes em Juízes (19.22 e 20.13)
6 vezes em I Samuel (1.16; 2.12; 10.27; 25.17; 25.25 e 30.22)
4 vezes em II Samuel (16.7; 20.1; 22.5 e 23.6)
1 vez em II Crônicas (13.7)
1 vez em Jó (34.18)
3 vezes em Salmos (18.5; 41.9; 101.3)
3 vezes em Provérbios (6.12; 16.27 e 19.28)
1 vez em Naum (1.11)
1 vez em II Coríntios (6.15)
O dicionário da Bíblia Almeida esclarece que o termo pode ser usado para pessoa má, coisa ruim ou para o mal personificado no diabo.
Segundo a Enciclopédia de Teologia do Novo Testamento, o termo Belial no NT adquiriu sentido de anticristo como uma forma de manifestação de Satanás. Em II Tessalonicenses 2.3 traz o termo anomia com o mesmo sentido.
O progresso no uso da expressão ‘filhos de Belial’ na Bíblia
O imaginário do povo bíblico era de guerra e constantes batalhas contra seus inimigos. O que diferenciava seu povo eram sua linhagem e ligação sanguínea, então quem não fosse de seu povo ou família era considerado um inimigo. Além disso, quem desobedecesse aos preceitos da lei era julgado como ímpio.
O sentido do termo primeiramente foi usado para designar coisa inútil e depois pessoa vil e posteriormente com uma maior consciência mística da existência do demônio passou a ser atribuída a este como mais um título para se referir a sua pessoa.
Consultando dicionários de grego e hebraico pode-se ver essa associação do termo pela raiz da palavra estar sempre ligada com outras palavras de sentido pejorativo:
Hebraico
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Grego
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Raiz
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Significado
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Raiz
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Significado
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laB = bal
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não
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baal = baal
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‘Senhor’ referindo-se ao deus semita.
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il:B = belî
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desgastado, trapos, envelhecido
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bebhlov – on = babilon
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secular; ímpio, mundano, Babilônia
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hfmyil:B = belîmâ
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nada
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bebhlow = bebilou
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profano, vil, confuso
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helB = belet
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não, exceto
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beezeboul = beelzebul
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belzebu
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(aleB = belay
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confusão, devorado, destruir, perturbado
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beliar = beliar
|
diabo, sem luz
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Outra variante do hebraico é la(ayil:Bah = hãbelîya’al ‘coisa vã’ ou ‘tornar-se vão’ que se refere a ídolos. A nota da Bíblia de Jerusalém para Deuteronômio 13.14 diz que “pouco a pouco “Belial” foi tomado como nome próprio, em relação ao poder do mal”.
IV - O uso do termo fora da Bíblia
As versões para a origem da expressão são divergentes. Alguns afirmam que Belial seria uma variação de Baal, principal divindade dos cananeus, povo de origem fenícia que habitava a Palestina na antiguidade, ao lado dos hebreus.
A nota da Bíblia de Jerusalém para o texto de Deuteronômio 13.14 diz que a partir dos apócrifos e em outros textos o termo é pronunciado como “Beliar” mostrando uma mudança no uso do termo. Já segundo Luigi Schiavo o termo “belî’ôr” significa “sem luz” como uma antítese ao nome “Lúcifer = portador de luz” utilizado para Satanás.
O Evangelho de Bartolomeu traz 6 ocorrências da palavra Belial numa conversa de Cristo com o demônio mostra que a palavra designava o demônio para cristãos primitivos.
Jomar Morais na Revista Superinteressante no artigo “Satã Vive” fala sobre a mudança de significado do termo Belial e seu significado em textos extra-bíblicos:
“A mudança de perspectiva teológica fica mais evidente a partir do século II a.C., com o desenvolvimento, à margem da tradição judaica erudita, de uma literatura apocalíptica sobre o demoníaco. No Livro dos Jubileus, escrito entre 135 e 105 a .C., e que faz parte dos livros apócrifos (sem autenticidade comprovada), são mencionados os espíritos malignos acorrentados no "lugar da condenação". No Testamento dos Doze Patriarcas, escrito entre 109 e 106 a .C. (também apócrifo), pela primeira vez Satã aparece personalizado na figura de Belial.”
Outros textos importantes são os manuscritos de Qunrã onde a palavra Belial significa uma personificação de satanás em combate cósmico contra Deus. Os textos trazem expressões como “homens da sina de Belial” referindo-se a pessoas más opostas ao “filhos da Luz”.
A comunidade de Cunrã (Qunrã) referia-se diversas vezes ao termo para designar treva sou oposição a Deus. O dualismo luz e trevas era muito forte para a comunidade de Cunrã e Deus era chamado de Luz, o diabo ou outras formas de mal eram tratados de Belial ou trevas. Os seguidores de Deus tinham o nome de ‘filhos da luz’ e as pessoas más como “filhos das trevas’ ou ‘filhos de Belial’.
Para esta comunidade primitiva a condição de filho de Belial era algo predestinado pela sorte ou destino escatológico. Os escritos falam de uma “congregação de Belial” caracterizada por pessoas: da iniqüidade, zombadores, vaidosos, profetas enganosos e que lutam constantemente contra a verdadeira congregação de Deus. Parece que se referiam ao restante do povo de Israel que não fazia parte de seu grupo religioso e aceitavam o sistema político e cultural helenista. Nos manuscritos conforme cita Laird Harris, “os homens que pertencem a Belial” são “um grupo ao qual, em última análise, pertencem todos aqueles que não fazem parte da comunidade de Cunrã”.
V- Quem era os Filhos de Belial?
-pessoas que servem a outros deuses e incitam o povo à desobediência a lei de Deus (Deuteronômio 13.14)
-quem faz o mal contra o próximo, não sendo hospitaleiros e praticando atos sexuais ilícitos como os homens de Gibeá que intentaram mal contra um levita e estupraram uma jovem donzela (Juízes 19.22 e 20.13).
- rebeldes que desprezam aos líderes do povo como as pessoas que não acreditaram em Saul quando foi ungido rei (I Samuel 10.27), Seba que tocou a buzina e falou contra Davi (II Samuel 20.1 e os rebeldes que se ajuntaram com Jeroboão contra o rei Roboão (II Crônicas 13.7) em como Jó disse que não se pode chamar a um rei de Belial (Jó 34.18).
-mentirosos como as testemunhas que acusaram falsamente a Nabote (I Reis 21.10 e 13) e como chama em Provérbios 19.28 de testemunha de Belial.
-pessoas maliciosas e preguiçosas como descreve em Provérbios 6.11-13.
-pessoas abandonadas pela sociedade por causa de erros do passado recebiam este título e certa vez um grupo de homens com este título apoiou Davi em suas batalhas (I Samuel 30.22).
-talvez pessoas que se embriagam ou que profanam o templo porque Ana esposa de Elcana se defende da acusação de Eli de que estava bêbada dizendo que não é filha de Belial (I Samuel 1.16).
Este nome também é dado a Hofni e Finéias, dois filhos do sacerdote Eli que, embora casados, ainda “deitavam-se com as mulheres que serviam à porta da tenda da congregação” (1 Sm 2.12 e 22). Esses dois homens eram “sacerdotes do Senhor” (1 Sm 1.3), tornaram-se “execráveis” (1 Sm 3.13), e fizeram o povo pecar por seu exemplo e pela ausência de exortação de seu pai (1 Sm 2.24).
Chamar alguém de ‘filho de Belial’ era uma forma de xingar a pessoa como Simei fez com Davi chamando-o assim (II Samuel 16.7) ou também amaldiçoar alguém como Davi em suas ultimas palavras sobre quem não seguisse e obedecesse a dinastia de seus filhos (II Samuel 23.6).
Nabal foi chamado de filho de Belial por sua indisposição em receber Davi (I Samuel 25.17) e a própria esposa Abigail associa seu nome –Nabal:loucura- ao termo Belial (I Samuel 25.25).
O profeta Naum chama Senaqueribe indiretamente de conselheiro de Belial em Naum 1.11 referindo-se a proposta do rei Senaqueribe em 701 a .C. quando manda o copeiro-mor com um exército cercar Jerusalém e ‘aconselhar’ o rei Ezequias para não confiar no apoio do Egito e se entregar ao império Assírio. Naum demonstra indignação contra as palavras de afronta ao Deus de Israel e alerta ao povo para não se engane.
O próprio demônio era o Belial no pensamento do tempo bíblico como se fosse o fomentador de todas as práticas do mal e no tempo do Novo Testamento é citado como nome próprio em II Coríntios 6.15 referindo-se a Satanás.
Por isso, tudo que não fosse bom poderia ser julgado como originário de Belial e as pessoas ruins como filhos de Belial. Belial é a personificação do mal e os ‘filhos de Belial’ seriam pessoas que são tipos representativos desta figura maligna.
CONCLUSÃO:
O estudo bíblico sempre revela descobertas muito maiores do que espera quando se procura o texto. Uma palavra que significa uma coisa (ou ausência de valor) passou a designar pessoas de certo tipo desprezível e finalmente se tornou adjetivo do mal e do demônio como pessoa.
Provavelmente o termo tem origem de influências externas ao povo bíblico porque tem mais referências fora da Bíblia do que nesta. Isso tudo mostra como é preciso ter cuidado ao interpretar uma palavra na Bíblia que em um lugar pode significar uma coisa e depois outra.
Quanto ao uso da palavra na igreja local não vejo necessidade alguma de fazer invocações ao nome Belial referindo-se a fatos, pessoas, ao diabo ou ao mal em suas diversas representações, a menos que seja para informação sobre seu significado quando inquirido por alguém.
Uma grande contribuição deste estudo é o conhecimento da presença de figuras tipológicas na Bíblia. Uma palavra pode designar um indivíduo e este representa um grupo de pessoas com suas marcas da família e da sociedade. Ou mesmo o nome de alguém pode passar a denominar um tipo de ação ou grupo que lhe seguir. A consciência do coletivo era muito maior para os escritores da Bíblia do que a dos leitores atuais.
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